The city glances over its districts, avenues and streets. Realizes, amid the strips of wasteland and ruins left by the so yarned vertical raid, the existence of spaces that, for having preserved their fragile memories, are handed back to us restored, resurged as museums of their own past, to preserve or else to revive memories almost faded away. Further on, the town, now incisively, views other sites. These, scattered under broken roofs, cracked walls, mossy and rotten floorboards, can no longer hear the echoes of their own memories. They are spaces left in oblivion, by time perhaps, but it would be too simple to delegate to time alone the corrosive action that destroys man’s path and fruit. In reality, this is not quite the course of things; since we have learned that responsible for so much negligence is no other than men himself. It is needless to regard the rescue of a distant past to verify all that. Just contemplate the recent past, or the present. Just glance at São Paulo, a city that offers countless examples of such negligence. And who is to blame? Blame that lies on so many shoulders. And implies clashes of so many natures. Not seldom, entangled with disputed hereditary rights, endless debts, indolent public authorities, scornful little games, and oblivion.
Among us, the movement of these forgotten and then recovered, preserved memories, may be found as object of debates, academic dissertations, vast bibliography, public or people’s initiative, and also of artistic manifestation that often, through their metaphors, manage to touch and reach their aim, the inhabitants that watch the inexorable transformation of their surroundings.
It was through the observation of these deteriorated areas of São Paulo that Sonia Guggisberg conceived her series of installations named “Town Bubbles”, work that consists of enormous, transparent plastic volumes, inflated and watery, spread through ruins, invading breaches, crevices, as living elements, lungs breathing where life has ceased. Far from limited to a mere dialog with the past, the bubbles, as they penetrate all spaces, seem to point us out the superficiality and fleetingness that rule our times. They expose the rules, now imposed, that blind our sight to history, to our memories. They invite us to ponder over our human condition: Whereto shall we look? To what we have been? To what we are?
Not perchance, the installations of Sonia Guggisberg are based on their ephemerality. Ephemerality understood in its amplitude. From ephemerality of time that swiftly faints, to ephemerality of transitoriness since, as amorphous sculptures, they adjust their shape to the physical features of the space where they are placed. It is not the space that is modified to shelter them. They adapt their forms to that of the place, adhering to the soil and the walls due to the weight of the water they contain. This water too, is ephemeral. It breathes; at times creating misty blurred zones, and countless little droplets that, gradually, return to the soil. Water that creates new and surprising landscapes such as those generated in our minds by countless recollections.
It was exactly that what was witnessed at Vila Maria Zélia, district of Belenzinho. A compound built in 1916; Vila Maria Zélia housed in its early years the workers of a neighboring jute mill. Today, some of its most important buildings belong to the Federal Social Security System, pawned to pay the debts of many years. Sorrowfully, the most representative buildings are now ruins. Townhouses that still lodge families, and through remodeling and modernization have lost their original characteristics. And all that despite the fact that it was pronounced a historical site in the year of 1992. It was there, amid so much disarray that, for five days long, the bubbles created by Sonia Guggisberg breathed.
This installation was then moved to the floor and walls of an outbuilding next to The Archives of The City of São Paulo. Immediately after the end of that event, a process of restoration is supposed to begin. The place, while awaits for the changes, establishes a dialog with the bubbles. And further our thoughts. Certainly, to those thoughts, some other thoughts will be added, when in future ventures those amorphous objects invade other spaces. About those thoughts, only time shall tell.
A cidade estende um olhar sobre seus bairros, avenidas e ruas. Percebe entre os vãos deixados pela já decantada invasão vertical, espaços que, por não terem sabido resguardar suas frágeis memórias, nos são devolvidos restaurados, ressurgindo como museus de si mesmo, museus necessários para preservar ou, quando não, reavivar passados quase perdidos.
Prosseguindo, a cidade percebe, agora com um olhar incisivo, outros espaços. Estes, espalhados sob telhas caídas, paredes trincadas, musgos e pisos apodrecidos, não conseguem mais, sequer, ouvir os ecos de suas memórias. São espaços esquecidos pelo tempo. Mas, parece ser fácil delegar apenas a ele, o tempo, essa ação corrosiva que destrói o curso dos homens e seus fazeres. Na verdade, as coisas não se dão bem assim porque aprendemos a ter consciência de que o responsável por tantos descasos não é outro senão o próprio homem. E não precisamos resgatar um passado distante para constatarmos tudo isso. Basta olharmos para o presente. Basta olharmos para São Paulo, cidade que nos oferece um sem número de exemplos de tal descaso. As culpas? São tantas. E elas envolvem embates das mais diversas ordens. Não raro, estão relacionados às heranças não consumadas; às dívidas intermináveis; ao jogo das indiferenças, e ao próprio esquecimento.
Entre nós, cidadãos, os movimentos dessas memórias preservadas, esquecidas e restituídas, podem ser encontrados, como objetos de debates, em vastas bibliografias; em iniciativas populares; interferências oficiais ou, também, em manifestações artísticas que, muitas vezes, por meio de suas metáforas, sabem sensibilizar e atingir seu alvo maior: os habitantes que assistem às inevitáveis transformações ocorridas em seu entorno.
Assim, foi por meio de uma apurada observação sobre essas partes deterioradas da cidade de São Paulo que Sônia Guggisberg concebeu a série de instalações denominada “Bolhas Urbanas”, obra composta por enormes e transparentes volumes plásticos, inflados e aquosos, a se esparramarem por entre ruínas, invadindo frestas, fendas, como elementos vivos, pulmões a respirar num ambiente onde a vida se extinguiu. Longe de pretender se limitar a um mero diálogo com o passado, tais bolhas, ao penetrarem nesses espaços, parecem nos atentar para a superficialidade e rapidez que pautam nossa contemporaneidade; atentar para as regras ora ditadas, que cegam nossos olhares para a história, para nossas memórias. Trata-se de uma reflexão sobre nossa atual condição humana: para onde devemos olhar? Para aquilo que fomos? Para aquilo que somos?
Não à toa, essas instalações de Sonia Guggisberg se apóiam na efemeridade, esta, em suas mais diversas possibilidades de compreensão. Da efemeridade de suas transitoriedades, por adequarem-se às geografias dos espaços que as comportam, à efemeridade do tempo que rapidamente se esvai. Não são, portanto, os espaços que se modificam para receber as “Bolhas Urbanas”. São elas que, orgânicas e amorfas, se modelam aos lugares procurados, se aderindo ao solo e às paredes, seja pelo ar, seja pelo peso causado por uma camada de água. Água que igualmente se esvai, respira, causando, nas bolhas, zonas internas ora embaçadas, ora plenas de gotículas que retornam, pouco a pouco, ao solo. Água que desenha novas, estranhas e surpreendentes geografias, como são aquelas enformadas em nossas mentes, como são aquelas presentes em nossas incontáveis lembranças.
Foi, então, em 2006, exatamente isso que pudemos encontrar na Vila Maria Zélia, localizada no bairro do Belenzinho, e no pavilhão anexo ao Arquivo da Cidade de São Paulo, no Parque da Luz. Nesses lugares, em meio a tantos desmontes, já respiraram as “Bolhas Urbanas” criadas por Sônia Guggisberg. Bolhas que deverão, ainda, aportar em outros solos.
Sobre essas próximas viagens e reflexões, somente o tempo dirá.