A cycle takes place in the work of Sonia Guggisberg. It is a cycle of water that, having sprung from a water table, flows on, spills, evaporates, and floods the exhibition venue. Most often, this water is created by light—in videos projected onto space—, and it heralds an imminent disappearance resulting from an environmental crisis. Here, both light and water are elements that guide the senses; they promote interaction, dialogue, and encounter. In Sonia Guggisberg’s poetics, light and water become art materials that intervene in urban spaces (of high symbolical value or historical interest) in a quest to restore collective instances and activate social practices.
Originally conceived as a site-specific for the old Banco do Brasil strong room, the video installation Nascente [Spring] was designed to stimulate a reflection on the relationship between natural springs and financial reserves. Consequently, the projection on the reflecting pool inside the strong room is not merely the image of the fountainhead of one of the world’s largest water tables: the springing water is the image of a type of wealth—a commodity, why not?—that is increasingly valued by the world economy, not to mention it being threatened by poor distribution, predatory exploitation, and mismanagement. Stored safely as it is in the strong room, water recovers its condition of life repository and vital power.
Guggisberg’s investigation is an exercise of perception that demonstrates just how desertification—this process of environmental regression—also affects social life. The artist’s interventions and video installations are micropolitical actions that seek the reactivation of such values as affection, belonging, bonding, and heritage.
Water was the element that introduced and restored these values in Guggisberg’s Bolhas urbanas [Urban bubbles] (2006–2007). For this occupation project the artist selected decayed and nearly ruined sites in the city of São Paulo, at which she installed transparent plastic bubbles filled with water—shapes with undefined contours, actually cast at the moment of their encounter with the world. The uncanny attendance of these giants in vacant urban areas functioned as light beams in zones of oblivion. In their transparency and near-void, they were ghostly apparitions, specters of lost happenings, receptacles of vitality. Finally, these bubbles were duly documented in photo and video records, which the artist has reedited for use in the series Horizonte plástico [Plastic horizon] and Linha d’água [Water line], shown at this exhibition.
However, documents thus reworked have gained autonomy and proprietary shapes that are diverse from their sources. They now constitute two horizons based on real images: a moving horizon and a still photographic horizon. In both instances, the choice of horizontal mountings has to do with the construction of a discourse (even if nonlinear) and the production of multiple meanings related to the realities experienced in the previous work.
Captured in close-up foreground, the videos of the series Linha d’água and the photos of Horizonte plástico enhance the interactive potential of these public objects, effacing borders from inside out, establishing simultaneity between exterior space and internal space, as well as between work and spectator. In the case of photographic work, a careful and scrupulous observation of the manner in which bubbles sit on the coarse terrain and twist to embrace tree trunks and roots indicates just how, in their malleable languor, they offer themselves as elements of resistance to the processes of urban social decay. Finally, in the overlaying projections in Correnteza [White water], the liquid horizon is cast on the ground. In this work, the journey becomes even more stimulating and interactive, as it guides back to the hydrological cycle, the permeability of the soil, and the cycle of social relations.
While addressing the environmental crisis as an expanded concept, Sonia Guggisberg develops a transversal thought that relates art and life. Her micropolitical actions, perfectly legible within Felix Guattari’s concept of The Three Ecologies—the environment, the social, and the psyche—, cast beams of light on diverse ways of living on our planet, both in the context of socioenvironmental changes and in the enrichment of life and subjectivity.
Um ciclo percorre a obra de Sonia Guggisberg. São águas que brotam de um manancial subterrâneo, correm, vazam, evaporam, inundam todo o espaço expositivo. Quase sempre são águas feitas de luz – vídeos projetados no espaço –, anunciando um desaparecimento iminente, provocado por uma crise ambiental. Tanto a luz quanto a água são, aqui, elementos condutores de sentidos, promovendo interação, diálogos, encontros. Luz e água, na poética de Sonia Guggisberg, são matérias de ações artísticas que intervêm em espaços urbanos (de alto valor simbólico ou interesse histórico), buscando a recomposição de instâncias coletivas e a ativação de práticas sociais perdidas.
Concebida como um site specific para o antigo cofre do Banco do Brasil, a videoinstalação “Nascente” propõe uma reflexão sobre a relação entre mananciais naturais e reservas financeiras. Assim, o que é projetado sobre o espelho d’água no interior do cofre não é simplesmente a imagem da nascente de um dos maiores reservatórios de água doce subterrânea do mundo. A água que brota ali é a imagem de uma riqueza – um artigo de comércio, por que não? – cada vez mais valorizada na economia mundial e ameaçada pela má distribuição, pela exploração predatória, pela falta de gerenciamento. Conservada no cofre, à água é restituída sua condição preciosa de reservatório de vida, de potência vital.
A pesquisa de Guggisberg é um exercício de percepção mostrando que a desertificação, esse processo de regressão ecológica que atua sobre o meio ambiente, se alastra também na vida social. Suas intervenções e videoinstalações são ações micropolíticas que buscam a reativação de valores como afeto, pertencimento, vínculo, memória.
A água foi o elemento condutor e restaurador desses valores no projeto de ocupação “Bolhas urbanas” (2006-2007). A artista escolheu locais degradados, quase em ruínas, da cidade de São Paulo, para instalar suas bolhas de plástico transparente com água – formas com contornos indefinidos, moldadas no ato do encontro com o mundo. A presença insólita desses gigantes em áreas urbanas esvaziadas funcionou como feixes de luz em zonas de esquecimento. Em sua transparência e seu quase-vazio, eram aparições fantasmáticas, espectros de acontecimentos perdidos, contêineres de vitalidade. Devidamente documentadas, as bolhas aparecem na presente exposição nas séries “Horizonte plástico” e “Linha d’água”, editadas a partir de registros das instalações.
Porém, documentos ganham autonomia e formas próprias, diferenciadas de suas matrizes. Assim, formam-se dois horizontes, a partir da imagem real: um horizonte em movimento e um horizonte fotográfico. Nos dois casos, a opção por montagens horizontais leva à formação de um discurso – mesmo que não-linear – e à produção de sentidos múltiplos sobre as realidades vivenciadas no trabalho anterior.
Captados em primeiríssimos planos, os vídeos da série “Linha d’água” e as fotografias de “Horizonte plástico” amplificam o potencial interativo desses objetos públicos, eliminando fronteiras entre dentro e fora; instaurando a simultaneidade entre espaço interno e externo/ obra e espectador. No caso dos trabalhos fotográficos, a observação atenta e detalhista à maneira com que as bolhas se apóiam sobre a aspereza dos terrenos e se retorcem abraçando troncos e raízes, indica como, em sua maleável languidez, oferecem-se como peças de resistência aos processos de deterioração social da cidade. Por fim, nas projeções justapostas de “Correnteza”, o horizonte líquido é atirado ao solo. O percurso, aqui, torna-se ainda mais provocativo e interativo, levando-nos de volta ao ciclo de permeabilidade do solo e das relações sociais.
Ao trabalhar a crise ambiental como um conceito ampliado, Sonia Guggisberg desenvolve um pensamento transversal que relaciona meio ambiente, arte e vida. Perfeitamente legíveis, dentro do conceito das três ecologias de Félix Guattari – a ecologia ambiental, a ecologia social e a ecologia mental -, suas ações micropolíticas lançam focos de luz sobre as maneiras de viver no planeta: tanto no contexto das mudanças socioambientais como no enriquecimento dos modos de vida e da subjetividade.